Seu Geraldo tinha um sítio onde plantava suas roseiras. Era como um hobby de fim de semana para esvaziar a cabeça. Era ótimo, pouco cansativo, barato e relaxante. Seu Geraldo não tinha muito com o que se preocupar, sua vida tava ganha. O sítio ele comprou com o FGTS, as contas não eram um problema e a esposa também trabalhava e ganhava bem.
O sítio das roseiras ficava a 30 minutos de carro e era o lugar onde Geraldo descarregava o seu amor. Acontece que Geraldo sentia muito. Muito mesmo. Mas, como o bom homem que ele achava que tinha que ser, colocava todos os sentimentos no fundo do estômago e todos os dias enfiava o máximo de comida que conseguia goela abaixo, num gesto desesperado de esconder tudo que o corpo não conseguia processar. O resultado foi um câncer de estômago e um quadro de obesidade mórbida.
Ambos os problemas foram resolvidos definitivamente 1 semana antes da compra do sítio, no dia em que Seu Geraldo teve uma epifania, 5 minutos antes de sua última consulta com um oncologista. Nesse dia ele descobriu que milagrosamente o câncer tinha sumido. Foi como se um sopro de esperança invadisse a vida de um homem que nunca viveu nada demais.
Seu Geraldo amava sua esposa. Se casaram por amor e 30 anos depois ainda se amavam, mesmo que de uma forma diferente. Tudo era da forma como sonharam que seria. Casa, filhos, dinheiro, família. Paz. Paz. Paz. Paz. Paz. Para a esposa de Geraldo, o câncer foi um susto, mas não uma surpresa. Ela sempre soube que o marido sentia demais e falava pouco, o que, pra ela, era a causa do tumor. Mas não tinha o que fazer. Era um homem e eles são assim mesmo. Quando o marido anunciou que iria comprar um sítio, ela pensou que era só um capricho de um sobrevivente.
Não era. Era um sonho de infância que Seu Geraldo sempre negou a si mesmo. A vida era corrida demais e muito atarefada, não tinha tempo pra um jardim de rosas. Mas Geraldo sempre amou suas rosas. Ah, como amou. A primeira espetou seu dedo aos 3 anos. Ele riu ao invés de chorar. Achou bonito que a cor do seu sangue combinava com a cor da flor que o machucara. O buquê que sua esposa usou no casamento foi Geraldo que montou. Rosas brancas. Ele as amou tanto que desejou que também pudesse entrar com elas na igreja. Mas não podia, claro. O homem anda sozinho. Simples. Sem flores.
Geraldo passou a vida planejando aquele sítio, mas faltava coragem e a hora certa. A coragem veio junto com o desespero e ele percebeu que a hora certa era algo que não existia. Sendo assim, ele comprou o sítio e preparou seu jardim. Primeiro plantou as rosas vermelhas. Depois as brancas. Amarelas, rosas, lilás. Geraldo as queria de todas as cores que encontrasse. E cuidava delas como se sua vida dependesse disso. No fundo, ele acreditava que dependia.
A família ficava mais espantada a cada vez que ele voltava do sítio. Como um homem de vida tão tranquila e silenciosa ficava tão eufórico ao cuidar de rosas? Geraldo começou a falar demais. Contava pra todos as fórmulas do seu adubo secreto. Comemorava rindo a cada novo botão. Repetia as histórias de cada plantinha pra quem estivesse disposto a ouvir. Os olhos brilhavam. Era paixão.
A esposa de Seu Geraldo era a única que entendia. Sempre soube que compartilhava o coração do marido com um amor proibido. Só não esperava que fossem rosas. Mas, depois do câncer, ela parou de procurar sentido nos sentimentos do marido e ficava feliz por vê-lo sentindo.
Geraldo plantou. Plantou. Plantou. Plantou. Plantou. Plantou e um dia a terra acabou. Já tinha um pé de rosas em todos os lugares que Geraldo conseguiu enfiar uma muda. Ele olhou pra sua obra finalizada e chorou.
Foi como olhar pra dentro de si e ver tudo que ele sempre escondeu. Seu coração estava ali, materializado em plantas. Cultivado. Nutrido. Podado. Amado.
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